domingo, 27 de janeiro de 2013

sou fruto do acaso
de um ventre assustado
que me escondeu do mundo por seis meses
em troca, escondi o meu sexo
as pernas cruzadas
negando uma identidade
com medo do mundo
não me mexi
recusei virar de cabeça
para mergulhar na luz
fui tirada a força em cirurgia

entendo que ainda não nasci

e para nascer eu escrevo
mergulho em meu próprio líquido
desenvolvo um feto saudável
em uma alegre gravidez de mim mesma
o pai é o universo
que espera pra me receber


sábado, 26 de janeiro de 2013

Lady Day

a minha gata está sempre no cio
mia rouca nas paredes da casa
as mesmas histórias
não adianta mudar o disco
seu homem a abandonou
ela foi uma tola
chorou, chorou
fez um pedido à lua
abanou o rabo
ronronou, ronronou
nada  disso adiantou
já escutei todas as suas canções
mas ele ainda não voltou
a minha gata vive uma tragédia
não é fácil encontrar o amor
Is that all you really want?, ela pergunta
sua voz é um garra
e me arranha por dentro
seu miado, um lamento
em tardes chuvosas como esta
eu a entendo
enquanto seus pelos escuros
fazem cócegas no coração

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

me gustaría escribir en tu piel, pero no tengo más que este muro




quando eu vi sua pele,
quis fazer de superfície

a imagino com frequência
em um mar de cobertores

a um oceano daqui

moldando diferentes formas
enquanto dorme

se encolhendo no frio,
se esparramando durante o sono

acomodando nas roupas
e saindo para trabalhar

a imagino solta, virando água no chuveiro

com picadas de mosquito,
deixando crescer os cabelos

penso nela como papel,
absorvendo poemas que eu escreveria

se você estivesse agora
a três praias daqui








sexta-feira, 4 de janeiro de 2013



as pessoas somem depois de algum tempo,
quando não é mais preciso esforço para esquecê-las. desaparecem dentro e fora de você - simultâneas -a figura de sua memória, da qual se assume a culpa de ter inventado, e aquela que julgava existir de fato. desaparecem de corpo presente, vivinhas da silva, na sua frente. de um dia pro outro elas somem esbarrando em você, com roupas novas e um cabelo diferente. somem na boca de amigos, em notícias distantes, vazias de sentido. impossível reconhecer suas lembranças em um completo desconhecido.

impossível dizer se quem perdemos de fato algum dia andou sobre essa terra ou flutuou apenas nos ventos de afeto e desejo que sopramos, cheios de esperança.

desaparecem como bênção. até mesmo para nos aliviar de sua fúnebre presença. para nunca mais voltar. para enfim deixar o ar circular.